28 julho, 2005

A "Justiça" praticada no Brasil

Há muito tempo –(mais tempo do que eu gostaria que fosse)-, como que divagando sobre a minha própria pessoa com uma outra muito próxima, saí-me com essa: “eu não sou 50% racional e 50% emocional; sou, quando é o caso, 100% racional ou 100% emocional”. Creio que o que eu queria dizer – e que acredito vigente passado tanto tempo, é que não sei ser “mezzo a mezzo”, “fifty-fifty”, metade uma coisa e metade a outra, como quem diz: “posso ser emocional, mas o meu racional está vigilante!” Ora, creio ser tudo isso uma bobagem, ao menos no meu caso. Percebo-me uma pessoa extremamente racional na execução do meu trabalho como advogado -( e às vezes muitíssimo emocional, quando pessoa)-. No meu comportamento profissional, chego a ser exageradamente perfeccionista. Cada petição, cada defesa, cada sustentação oral no Tribunal que preparo com o máximo de rigor, têm de sair à perfeição (que evidentemente não existe)-. Ao longo de uma carreira que me deu muito mais aflição e angústia do que prazer, satisfação e retorno financeiro, debati-me com situações extra - e intraprofissão, que muitas vezes minaram sensivelmente meus sonhos de jovem advogado, especialmente a quimera de ver atingido um mínimo de alcançamento da Justiça no seu sentido jurídico-filosófico pleno. Pudesse eu voltar no tempo, iria me dedicar á música. Jamais a um arremedo de justiça como este que temos em nosso país. E falo de cátedra. Conheço os meandros tortuosos das trilhas sombrias do sistema judicial brasileiro. E dou apenas um exemplo clássico, público e notório:

Caso “Presidente Collor”: em face das inumeráveis falcatruas perpetradas pela turma do presidente (com a sua conivência e acobertamento), o então Procurador Geral da República, Dr. Aristides Junqueira, no uso das suas atribuições constitucionais procedeu a uma representação junto ao Supremo Tribunal Federal pelo Crime de Responsabilidade, que teria sido praticado pelo supremo mandatário da nação. A ação, se constatou imediatamente, foi muito mal formulada e postulada. Carecia, no seu bojo, dos mais mínimos elementos de convicção e aceitabilidade. Era uma peça fraca, absurdamente fraca para os padrões minimamente aceitáveis de um trabalho advindo da cúpula da mais alta instância do Ministério Público Federal. E olhe que lá estão alocados alguns dos luminares da ciência jurídica deste país, em todos os escalões, inclusive nas diversas assessorias. Mas a exordial era um amontoado de inconsistências. Todo um trabalho da CPI, de apuração de provas documentais e testemunhais, de veementes indícios da patente corrupção envolvendo o presidente, tudo que estava à disposição para ser acostado e agregado aos autos, isto é, à ação, tinha sido desprezado pelo Sr. Procurador Geral. E o processo chegou ao STF dessa forma. Falho, mal produzido, manufaturado quase que de uma forma insensata, para se dizer o mínimo. M a s... aí é que vem: os 11 Ministros do STF, naquela oportunidade, estavam, cada um deles, investidos da função de Juiz Criminal. E um Juiz Criminal, de qualquer instância, mesmo aquele lá do interior da Amazônia, o mais humilde, de 3ª entrância, de início de carreira, pode absolutamente tudo, pode mandar promover qualquer diligência que julgar necessária para firmar seu convencimento, antes da sua sentença. Pode mandar ouvir testemunhas, mandar ouvi-las novamente, mandar ouvir pessoas citadas ao longo do processo, mandar apreender e examinar documentos, no Brasil e até mesmo no exterior, exigir sejam procedidos exames periciais, determinar acareações, enfim, pode praticamente tudo, tudo para o alcançamento da verdade dos fatos ocorridos.Evidentemente que para condenar ou absolver o réu. Observe: se o Juiz lá do interior da Amazônia pode tudo isso, i m a g i n e um Ministro do Supremo Tribunal Federal investido na função de Juíz Criminal... Imagine tudo que ele pode, legalmente... Mas sabe o que eles fizeram? Absolveram o Collor, com a alegação de que (a grosso modo), a ação proposta pelo Sr. Procurador Geral da República tinha sido falha... E em razão disso, nenhum deles, nenhum dos 11(onze) Ministros do STF provocou, pediu, determinou qualquer das muitas providências que careciam (necessitavam) fossem feitas! ! ! Nenhum deles se permitiu suprir as falhas da representação oferecida pelo Procurador Geral da República. Tudo que eles fizeram, cada qual de per si, foi se eximir das suas próprias responsabilidades...

Essa é a justiça do Brasil. O exemplo veio do Supremo Tribunal Federal. É de rir, para não chorar.

27 julho, 2005

SÍNDROME DE ESTOCOLMO

Esta conceituação da terminologia médica nasceu algum tempo após a 2ª Guerra Mundial. Decorreu de um encontro, teria sido um congresso de médicos e terapeutas da área da psicologia e psiquiatria, realizado então na sueca Estocolmo. Lá foram apresentados, discutidos e debatidos intrigantes relatos de psicoterapeutas que haviam dado assistência profissional especializada a centenas, milhares mesmo, de homens e mulheres, notadamente judeus, libertados e sobreviventes dos campos de concentração. Constatou-se que, após um determinado tempo em tratamento para a recuperação físico-emocional, a imensa maioria dos encarcerados, que havia sofrido toda espécie de tortura e sofrimentos por parte de seus carcereiros, deles tinha se tornado totalmente dependentes emocionalmente. Vale dizer: passaram a sofrer de verdadeira abstinência da tortura por eles sofrida anteriormente. E a padecer, também, em face da ausência física dos seus torturadores. Teria sido criado um elo fortíssimo de ligação entre o torturado e seu torturador! Isso é o que foi constatado, após exaustivos debates e estudos dos médicos naquela reunião científica, do sofrido pelos afligidos, e que passou a ser denominado de “Síndrome de Estocolmo”. Na verdade, os estudiosos de então não descobriram nada que não existisse anteriormente. Apenas constataram um fato do comportamento humano, não detectado anteriormente na literatura médica: o de que é estabelecido um decisivo componente de dependência emocional, fortíssimo nesses casos, entre a vítima e seu algoz.

Digo tudo isso em razão de um pensamento que me aflige há muito tempo: creio que em uma escala não tão dramática quanto aquele acontecimento constatado em campos de concentração, mas igualmente importante e com praticamente igual ou mais danoso efeito psicológico, uma criança que sofre um tratamento não adequado por parte de seus pais ou educadores, que suporta constante manipulação emocional dos mesmos ao longo do seu crescimento... Que é tratada como massa de manobra e utilizada por um dos seus genitores, quando de uma separação judicial, para atacar e agredir ao outro, também estabelece com este, justo com este que vem lhe conspurcando, corrompendo, pervertendo sua personalidade em formação, exatamente tal criminosa dependência emocional. E o resultado é mais grave e perverso ainda neste caso, pois tratar-se-ia de uma personalidade em formação, atingida, muito possivelmente deturpada a partir daí... E, como constatado, a dependência emocional quanto ao seu torturador... sobrevive. E, neste caso, é mais forte ainda: trata-se do “seu” pai – ou da “sua” mãe -. Terrível !

21 julho, 2005

PENÚLTIMA MUDANÇA DE ENDEREÇO

Depois de longos muitos anos habitando apartamentos, até que relativamente bons, vi-me com a opção de me mudar - naquilo que considero minha última mudança consciente, ou para um outro bom apartamento, este duplex de cobertura, novo, edificado com esmero e obedecendo a finos detalhes pessoais, ou para uma antiga casa, adquirida ainda na juventude, de boa estrutura, deixada, quando da separação consensual, para minha ex-mulher e meus filhos e, tempos após, abandonada e ocupada por terceiros vândalos.

Seguro, optei por me reencontrar com minha casa dos meus vinte e poucos anos, recuperada, resgatada emocionalmente, restaurada fisicamente após 10 meses de árduo e custoso trabalho de reforma estafante e ainda não totalmente finalizada.

Fiz isso, esse reencontro, há quase dois meses. Ainda que “esperando” por alguma coisa assim, curiosamente não me deparei com fantasmas do passado. Tudo bem que já “vi e ouvi” situações um tanto quanto estranhas e desconcertantes. Nada muito mais dramático do que, sozinho em casa, dormir numa cama de um quarto e acordar em outra, de outro quarto. Morando sozinho, sem ser sonâmbulo, uma explicação 000 fica complicada. Mas, como sei que sou “do bem” e, além do mais, tendo outras boas e naturais explicações, absolutamente nada disso me assusta. Em verdade, nem incomoda. Apenas constato. E vou em frente!

Mas, abstraindo disso, não é que têm ocorrido alguns encontros especialmente conflitantes e difíceis? E justo com caixas e caixas de papelão, algumas agora já semi-abertas. Outras com seus invólucros ainda por abrir ou já meio que invadidas, temerosamente por mim auscultadas, de há muito outrora lacradas em outras eras e deixadas prá lá, justo para numa oportunidade assim, serem conspurcadas (!)

E não é que ela, a tal oportunidade de vasculhar tais antigos guardados, chegou?

Objetos, cartões e papéis, livros, antigas agendas e arquivos...

04 julho, 2005

I M O R T A I S

Acordei agora mesmo, pedindo socorro. Estava febril. Imagino que nos limites. Há muito não sentia isso. Reuni todas as minhas forças restantes para me levantar e procurar algum remédio em meus guardados. Estava, como tenho estado, só. Nada de mais pois de há muito me acostumei a isso. Entretanto, nesse estado de torpor, de insegurança e de mente conturbada, quer pela febre alta, quer por outros sintomas de devaneio daí decorrentes –ou não -, senti-me levado a conjeturar sobre minha vida.

Ultimamente tenho acordado todos os dias muito cedo. E invariavelmente agradeço ao meu Deus do Universo, simplesmente por acordar. Isso não se deu agorinha mesmo. O frio absolutamente intenso, a dor, a momentânea incapacidade de reagir imediatamente decorrente da febre alta, só me fez ser pedinte, qual criança, de um pouco de alento. A súplica foi dirigida ao meu pai. E então, vendo meu organismo reagindo positivamente ao medicamento, me deu uma vontade irresistível de escrever algo sobre minha (nossa) origem. Num átimo tinha delineado uma tese incrivelmente corriqueira e banal.

Somos imortais!

Uma vez que tenhamos plantado alguma semente nossa em um ser passível de acolhimento e germinação, de preferência mais de uma, e tal tendo se dado, passamos a ser imortais. Gerações vindouras nos imortalizarão.

Pode ser – e possivelmente isso ocorrerá -, que seremos esquecidos nesse processo, como um dos seus elos seqüenciais fundamentais. Mas o gene estará lá. Vivo. Operante. Por outro lado, vezes há que temos atitudes meio que presunçosas.

Nos últimos anos adquiri , um a um, sabres, espadins, adagas, e, como direi, belos punhais e armas brancas de origem medieval e orientais, de aço cortante e belas empunhaduras e capas ornamentais, de vários tamanhos e formas. E num total de dez. Em todas elas mandei inscrever, no aço, a seguinte inscrição: “ Gilberto, filho de Neme Munaier, pai de Christian e Guilherme”. É uma inscrição indelével. Minha idéia é que cinco passarão para o meu primogênito e as outras cinco peças serão encaminhadas ao meu outro filho, que não vejo de há muito. Eles mesmos, seguindo minhas instruções, deverão no mesmo aço de cada uma das peças de sua propriedade, mandar inscrever, quando for o caso: “ ........................., filho de Christian” e, nas outras, “ .........................., filho de Guilherme”, e aí sucessivamente!

Há espaço nas lâminas para a inscrição de muitas gerações dos germinados por Neme Abras Munaier, meu pai. Ele se foi quando eu tinha apenas 2 anos e meio. E ele parcos 58. Sei, por notícias contadas na família, em versos e prosa, que como filho extemporâneo, onze anos passados do último, teria sido eu seu derradeiro motivo de felicidade.

Eu o reverencio continuamente até hoje. Eu o imortalizei! Meus filhos me imortalizarão. E seremos lembrados como seres que habitaram este planeta Terra em determinada época, seres que sofreram, que foram felizes, que contribuíram, que somaram, plantaram, que frutificaram suas sementes e que, sem dúvida, fizeram com que elas resultassem em boas e imortais cepas ...