Tenho matutado, ao longo de boa parte da minha vida, a respeito do mandamento cristão de que deves perdoar teu ofensor não sete vezes mas sim setenta vezes sete, o que equivale a dizer indefinidamente.
Caso sejas um cristão fiel seguidor das Escrituras teu algoz já está perdoado, independentemente da ferida a ti causada ter ocorrido ontem, hoje e das tantas vezes que a mesma vier a ser reaberta em teu peito, amanhã e depois. Ponto final. Não interessa se a ferida chegou, ou não, ao menos a cicatrizar, a sarar. O mais importante e fundamental do cânon é ... perdoar. Não algumas muitas insuportáveis vezes mas sim infinitamente.
O ensinamento mestre parte do pressuposto de que o agredido é um ser superior, dotado de uma força e um poder interior inabaláveis, indestrutíveis. E para aumentar ainda mais esse poder interior, urge seja ele posto em provação e reforçado com o martírio continuado.
A questão do agressor, em si, é de menor - ou nenhuma - importância. Já está condenado aos quintos do inferno. Ele tem, entretanto, a opção de se arrepender verdadeiramente, ainda que no estertor da morte. Aí também, segundo os cânones da Igreja, não interessa a natureza nem a extensão das feridas perpetradas, o tamanho do sofrimento afligido, a dor que te impôs e a terceiros. Para tal remissão, basta que haja o sincero arrependimento dele nas tragédias incorridas em tua vida. E ainda: quanto ao sofrimento e ao perdão, não se discute da existência de apenas um agressor mas de tantos(!) quantos a vida venha a atravessá-los em teu caminho.
Duas são as posições aqui, absolutamente conflitantes e antagônicas: aquela do(s) algoz(es) e a outra, a da(s) sua(s) vítima(s). No universo da piedade cristã, cabe à vítima exercitar o perdão, tantas vezes quantas este se faça necessário para ser fiel à cláusula pétrea do dogma. Como quanto para, assim agindo, dar com o seu testemunho de fé absoluta, a possibilidade de que seu verdugo se aperceba voluntariamente do(s) seu(s) ato(s) e, arrependido, busque o bom caminho da salvação espiritual. Setenta vezes sete é o preceito do perdão.
A ele, a quem perpetra a dor >>>>>>> o perdão está garantido e mais ainda a indulgência, a remitência dos seus pecados cometidos até o seu último suspiro de vida.
O mal >>>>>>>> entretanto foi exercitado no curso da vida >>> do ofendido. A este foi garantido, via de consequência ... o sofrimento!
Minhas indagações básicas são aquelas fundamentais. 1ª questão: alguém magoa profundamente alguém e os reflexos da agressão se estendem ao físico, ao emocional e aos seus outros universos sensoriais. Este ofendido, cristão até à medula, sinceramente perdoa o ofensor e trata de seguir em frente. Mas as sequelas daquela agressão são tão fortes, contundentes, que o remetem ao entrevo do corpo e da alma. Mas houve o perdão! Contudo, os entes queridos do ofendido estão vendo-o física e emocionalmente enfraquecido, atrofiado... Eles dependiam dele, da sua fortaleza e da sua integridade para também viver e se desenvolverem satisfatoriamente... E eles sofrem tanto ou mais que ele e não perdoaram!... 2ª questão) : o agressor, cristãmente perdoado, não se deu conta do tamanho e do alcance do dano perpetrado à sua vítima e aos seus entes afligido. E segue seu caminho de barbárie. Impune. Outra vítima incauta e desavisada (tal qual a anterior foi) cruza o seu caminho. Mais um cristão ortodoxo. Mais um perdão unilateral desacompanhado do perdão das demais vítimas a si vinculadas por parentesco ou afinidade. E segue a trajetória de eterno perdoado o verdugo inconsequente. Mais cristãos em seu caminho, mais vítimas e mais perdões, somados aos demais inocentes atingidos por tabela. Evidente que ele não se arrependeu dos males adrede cometidos. Pedir perdão? Ora, nem por mera formalidade, pois nem precisa . . .
E marcha confiante. Os males que perpetra não são necessariamente aqueles prescritos como crimes no código penal. Ou se são, também são de difícil ou quase impossível prova. Seriam crimes perversos contra a honra e contra a alma, profundos. E seus alvos prediletos são os cristãos ortodoxos. Aqueles que acatam o honorável mandamento do perdão incondicional da parte do ofendido. E nessa trilha segura caminha o impune.
Tantas pessoas atingidas, tantos seres inocentes conspurcados, aviltados em seus corações e mentes. E a única resposta permitida pelo dogma e dada ao agressor foi o perdão. Em nenhum momento ele se apercebeu da gravidade dos seus atos. Não sofreu nenhuma mísera punição.
Em sendo assim...
"Atenta bem: >>> Não acovarde.
<<< Não transfiras para ninguém, nem para Deus, tarefas e responsabilidades
que são só tuas! Cuida, não só de ti, da tua consciência de cristão virtuoso
mas, concomitantemente, da integridade e incolumidade do teu vizinho. Ser um
bom cristão não é só tratar dos teus preceitos de fé, particulares, mas também
e principalmente, é zelar pelo bem dos teus semelhantes." (*)
(*CÓDIGO MUROGI INTEMPORAL)
Não sejas um mau julgador: não julgues os outros por si !